A relação entre o gato e o ambiente está ligada de forma intrínseca com a sua saúde física, mental e comportamental, ou seja, o conforto do gato com o ambiente em que ele está inserido é uma questão essencial para o seu bem-estar. Quando falamos de um ambiente ideal para um felino precisamos ter em mente diversas questões de sua etologia, tendo isso em mente em 2013 a AAFP e ISFM organizou as diretrizes a respeito das necessidades ambientais as dividindo em 5 pilares essenciais para o bem estar felinos, que devem ser indispensáveis em qualquer ambiente felino. Necessidades essas que precisam ser entendidas para providenciar uma estrutura adequada para que veterinários, cat sitters e tutores possam reduzir ao máximo o estresse, situações estressantes e comportamentos indesejados. 

As necessidades ambientais não se resumem a questões físicas em si somente mas envolve questões de sociabilidade também, então já podemos destacar que o quanto mais cedo elas estiverem presentes na vida do gato melhor, não so quando eles começarem a demonstrar manifestações comportamentais indesejadas. Com todo esse contexto é possível que possamos oferecer um atendimento veterinário melhor, pois teremos tutor e gatos felizes e assim estaremos fortalecendo a relação tutor-veterinário que é tão importante dentro do consultório. Para falarmos mais desses 5 pilares não basta somente pontua-los, precisamos também entendê-los, então antes vamos discutir algumas questões de comportamento felino.

O gato é um caçador solitário por natureza, e como sabemos, o felis catus (gato doméstico) mudou muito pouco em relação ao felis lybica (gato-da-Líbia) preservando diversos comportamentos espécie-específicos que mantem uma relação de interdependência humano-gato muito baixa, e muitos desses comportamentos são voltados para eu o gato cace de maneira segura e se proteja, por exemplo: gatos preferencialmente caçam em territórios familiares por ser em territórios onde eles já tenham consciência do ambiente físico e social, sendo um ambiente o qual eles exercem um certo senso de controle. Em relação ao medo os gatos exerce uma resposta aumentada de luta-ou-fuga, então quando eles saem de um território familiar ou se alguma ameaça surja em seu território eles respondem na maioria das vezes com fuga ou evasão, o artificio da “luta” somente vai ser utilizado por ele quando de acordo com as perspectivas dele não houver escapatória, sendo esse seu ultimo recurso. Os gatos possuem um sistema social flexível, isso quer dizer que os gatos podem ser animais com meio de vida solitários, como o gato-da-libia e a mioria dos felideos, ou eles podem se organizar em grupo, algo que se assemelha aos leos que são os únicos felídeos que se organizam verdadeiramente em bando onde as femeas cuidam e criam os filhotes enquanto os machos protegem o território. É importante ressaltar que para que esses gatos vivam em grupo é necessário que se tenha recurso disponível para todos os indivíduos e que os grupos de felinos seguem uma hierarquia não-linear, ou seja, não existe um líder absoluto. Para estabelecer um grupo, os gatos selecionam os indivíduos filiados preferenciais através da marcação com feromonios, mais precisamente com porção F4, que não existe comercialmente. Indiviuos filiados prefenciais entre outras características são indiviuos que conseguem compartilhar de um mesmo recurso ao mesmo tempo sem terem nenhum tipo de conflito, indivíduos filiados e não-filiados também conseguem dividir recursos porem se revezando ao acesso de determinado recurso, justamente para evitar conflito. Os gatos possuem seus sentidos bastante aguçados o que os torna um caçador de sucesso, podendo identificar os barulhos ultrassônicos de pequenos roedores facilitando a identificação e captura de sua presa por exemplo e como acabamos de destacar, os feromonios são fundamentais na estrutura social dos felinos, mas eles também são de extrema importância na marcação territorial sendo preferencialmente usados por felídeos que não são topo de cadeia. Para finalizar, os gatos se comunicam bastante com posturas corporais (colocar o quadro que compara a postura dos gatos) e dentro da consulta é muito importante identificarmos o que a postura do gato, justamente para diferenciarmos o que é um gato com medo e o que é um gato agressivo, para providenciar o melhor atendimento o possível evitando que seja estressante e traumático ao paciente.

Tendo em mente todas essas características espécie-específicas felinas, podemos assim entender de maneira mais fácil os 5 pilares das necessidades ambientais que são:

PRIMEIRO PILAR – PROMOVER UM SAFE PLACE

Em outras palavras, fornecer uma área privada e segura para o gato (podendo ser tanto no chão quanto em altura), onde ele possa se esconder e se sentir protegido de possíveis ameaças, também servindo como um lugar de descanso. Uma ótima maneira de praticarmos isso é promovendo tocas com caixas de papelão, moveis específicos e até mesmo usando a caixa de transporte. Promover prateleiras e cestas côncavas ou com borda alta para promover maior senso de isolamento também é uma opção muito interessante.

Nesse pilar devemos ter mais atenção com gatos mais jovens e gatos idosos, facilitando o acesso à altura através de rampas de acesso e limitarmos o acesso a uma baixa altura. As diretrizes também mencionam que se possível que o gato deve ter acesso a Safe Places outdoor por ser seu ambiente natural, é muito importante termos em mente que se for esse o caso, que esse acesso outdoor não ofereça nenhuma forma de risco aos gatos, o que no Brasil acaba sendo um desafio devido ao grande numero de animais fiv e felv positivo, o risco de esporotriocose, raiva e de sofrerem acidentes. Então a recomendação acaba sendo que os gatos não possuam acesso outdoor e sejam mantidos sempre dentro de suas casas e com o uso de telas na residencia, justamente para não se ter nenhum risco de exposição. 

Dentro da clinica, oferecer um safe place para que o gato se sinta mais seguro também –e muito interessante, mas esse safe place deve ser de fácil limpeza e deve possibilitar que o gato seja atendido nele, entrando assim na importância das caixas de transporte desmontáveis. Durante uma consulta a caixa de transporte acaba sendo um safe place também, passando um senso de segurança ao gato e o melhor lugar para se atender o gato é onde ele se sinta mais seguro e confiante, então devemos sempre instruir o uso de caixas de transporte desmontaveis já pensando em atender o paciente nela mesmo.

SEGUNDO PILAR – PROMOVER MULTIPLAS E SEPARADAS FONTES DE RECURSOS CHAVES

Potes de comida, agua, banheiros, arranhadores, áreas de brincar, durmir e descansar são recursos chaves para os gatos e precisam ser bem disposto e distribuídos pelo ambiente para os gatos afim de promover acesso separado aos indivíduos dentro da colônia e fornecer opções de escolha aos gatos “únicos”. Em questão a disponibilidade de recursos devemos pensar na ordem de pelo menos o numero de gatos mais ( se temos 3 gatos pensamos em 4 potes de agua, comida, banheiros, arranhadore…) independente do  numero de gatos na colônia e da relação que esses indivíduos possuem, pensando em justamente de cada um ter a possibilidade de acesso individual se for da vontade do gato e que tentemos evitar disputa/conflito de gatos por um mesmo recurso. É interessante termos em mente que dentro de uma colônia de gatos podemos ter diferentes grupos, então devemos pensar em recursos fisicamente separados para cada grupo para evitar que eles tenham que compartilhar acesso. Dentro da pratica veterinária esse pilar pode se aplicar no que dizemos a respeito as gaiolas em day care ou internação, tendo uma gaiola que seja larga o suficiente para separamos a agua e comida da área de durmir, que as gaiolas dos gatos não fiquem uma de frente para outra para evitar o contato visual, que se localizem preferencialmente na altura e principalmente em um ambiente separado dos cães.

TERCEIRO PILAR – OFERECER OPORTUNIDADES DE BRINCADEIRAS E COMPORTAMENTO PREDATORIO 

Devemos permitir que o gato expresse as diversas fases de uma predação o quanto for possível através de brincadeiras e alimentação. Podemos então pensar em duas possibilidades:

  • Usar comida para comportamento predatório: esconder comida em diferentes locais, jogar petisco para o gato perseguir e capturar e utilizar comedores interativos (caseiros ou de lojas) em que o gato precisará brincar para conseguir o alimento.
  • Usar brincadeiras para exercícios e comportamento predatório: balançar a peninha e mexer a fitinha no chão são ótimos exemplos disso o que temos que ter em mente aqui é que nessas brincadeiras o gato sempre deve acabar capturando a “presa” e no final ser recompensado com algum petisco ou com interação com o dono, é interessante pensarmos tambem em brinquedos que possam ser arranhado e mordidos pelo gato sem oferecer nenhum tipo de risco dele se machucar durante a brincadeira. 

QUARTO PILAR – FORNEÇER INTERAÇÃO HUMANO-GATO DE FORMA PREVISIVEL, CONSISTENTE E POSITIVA

Um manejo previsível, positivo e consistente em gatos filhotes, principalmente no período de neuroplasticidade (segunda a sétima semana de vida) levam a comportamentos satisfatórios assim como reduzem o medo e estresse além de criar um forte vínculo entre o humano e o gato. Os gatos preferencialmente gostam de contato com o humano com alta frequência e baixa intensidade justamente por isso passar a eles uma ideia de controle, então jamais force interação com o gato, sempre que abordar um gato deixe ele cheirar sua mão e se ele demonstrar estar relaxado e suscetível comece o contato de maneira gentil começando pela cabeça e acariciando as bochechas. Cada gato possui suas preferencias particulares em interagir com os humanos e cabe a nós tutores a aprender e entender as preferências de cada indivíduo para estabelecer de fato um forte vínculo com seu felino.

QUINTO PILAR – FORNECER UM AMBIENTE QUE RESPEITO A IMPORTANCIA DO SENTIDO OLFATORIO FELINO

O olfato de um felino é muito importante para que ele potencialize o seu senso de segurança e conforto com o ambiente que ele está inserido, utilizando informações olfatórias e feromonios para determinar quais indivíduos são seus filiados e em quais áreas eles se sentem mais seguros e confiantes. Então devemos entender essa importância e justamente respeitar não usando produtos químicos que comprometem a percepção felina, respeitar as marcações olfatórias deixadas no ambiente não as limpando, ter cuidado para não acabar trazendo o cheiro de um felino estranho para dentro de casa e usar feromonios para reduzir o estresse e ansiedade no ambiente. Muito importante pensarmos na ida ao veterinário, as informações olfatórias presentes em um indivíduo podem acabar mudando durante o tempo que ele passar lá, então quando retornar da consulta devemos esperar um tempo para reintroduzi-lo no ambiente pensando em como essa mudança pode afetar a relação dele com os outros gatos da casa, considerando a possibilidade de se usar feromonios para essa reintrodução, sempre que possível devemos pensar em levar todos os gatos da residência no mesmo dia ao veterinário para os exames de checkup e que o consultório seja limpo sempre antes da entrada de um novo paciente. 

https://journals.sagepub.com/doi/epub/10.1177/1098612X13477537

George Souto
Estudante de Medicina Veterinária da UFRRJ

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *