Dra Giovana Mazzotti

Seu gato urina fora do lugar?

Entenda o que pode estar acontecendo

Há quase 20 anos eu trabalho com Medicina Felina e uma das queixas mais comuns dos tutores é o gatinho que urina em lugares inapropriados. Algumas vezes os tutores já vêm com um “diagnóstico” para essa queixa, dizendo que o “gato está marcando”, o “gato está com raiva”, o “o gato é sentimental”, dentre várias outras explicações para tal comportamento. Mas será que estão certos? Será que as pessoas que mais amam aquele animalzinho estão conseguindo decifrar corretamente o que ele está querendo “dizer” com aquele ato? Bem, algumas vezes sim… mas inúmeras outras vezes a interpretação está bem longe de ser o real problema, levando a uma sequência de enganos e manejos incorretos que podem fazer com que o problema se perpetue ou se agrave. Minha intensão nesse artigo é auxiliar com um passo-a-passo para que o tutor possa iniciar essa investigação em sua casa, evitando que o problema aconteça e por vezes solucionando um problema já existente(ou ao menos cumprindo algumas etapas básicas que o seu Médico Veterinário irá solicitar que sejam feitas). É importante esclarecer que nem sempre a urina fora do lugar é uma questão comportamental, podendo haver graves motivos de saúde que levam a esse ato.

De maneira geral quando dizemos que o gato urina fora do lugar, precisamos nos indagar sobre o que seria o “lugar certo”. Na maioria das vezes nós estabelecemos que o certo é que o gatinho urine somente em uma caixinha de areia (a caixa escolhida por nós, a areia escolhida por nós, o lugar da caixa escolhido por nós…). Na maioria das vezes, vamos achar que está totalmente incorreto que o gatinho urine na porta de entrada de nossos apartamentos… Então fica evidente que o “lugar certo” muitas vezes é uma convenção social.  Uma regra estabelecida por nós, os tutores, de acordo com um pouco sobre o que conhecemos sobre os felinos, associado a maneira como desejamos organizar/decorar nossos lares. Vamos exemplificar? Com base no que sabemos, gatos gostam de urinar em superfícies que absorvam rapidamente a urina quando desejam esvaziar suas bexigas por uma necessidade fisiológica… eles não gostam de pisar em pedinhas duras e pontiagudas… também não gostam de molhar seus pés com a urina… Então, para trazer os gatos para dentro de apartamentos, providemciamos caixas plásticas nas quais colocamos areia para que o gato faça suas necessidades. Isso quase sempre basta para que o gatinho aceite que aquele é seu “banheiro”. É lindo ver como bebezinhos recém apresentados à caixa de areia começam a utilizá-la sem maiores problemas… Mas por que um gato que sempre utilizou uma caixa, de repente, começa urinar sobre o tapete da sala, tranquilamente, como se alí fosse um banheiro perfeito? Antes de responder o porquê, vou lançar outra pergunta: por que ele não poderia fazer isso? Sim, concordo que a casa ficaria com mau cheiro, tornando bastante complicado suportar tal hábito. Mas vamos nos despir da visão antropocêntrica de que nosso lar merece higiene e limpeza, e vamos olhar o ato com a visão de uma gato: o tapete pode estar num local tranquilo, onde o gato não é incomodado ao urinar… ele é macio para seus pés… absorve bem a urina… ou seja, assim com a caixa de areia, também pode ser considerado um “banheiro ideal”. Chegamos a um ponto importante: um problema de comportamento nem sempre é um distúrbio. Por vezes, é somente uma desconexão nas regras socias. Não deixa de ser importante, mas uma boa “conversa” pode resolver esse tipo de conflito. O que quero dizer é que, nesses casos, precisamos entender o que o gato não está gostando no banheiro que nós escolhemos. Podemos oferecer um banheiro mais adequado, mais aprazível… ao mesmo tempo, podemos ter um poquinho de malícia para deixar o banheiro que ele escolheu (o tapete) mais desagradável…

Trabalhos científicos nacionais e internacionais mostram que gatinhos que urinam fora do lugar por problemas comportamentais, na grande maioria das vezes o problema é a simples adequação da caixa sanitária. Essa informação é maravilhosa, pois indica que na mioria das vezes o problema pode ser facilmente solucionado pelos tutores, seguindo algumas recomendações e usando de sua sensibilidade para conhecer cada gato que tem em casa! Para auxiliar no desafio de descobrir qual o problema com a caixa, algumas dicas devem ser consideradas. Aqui mais uma vez é importante ressaltar que são dicas que se aplicam a maioria dos gatos, mas temos que lembrar que os animais têm personalidades e por vezes, podem falhar. Lembro-me de um gato que era meu paciente que tinha esse comportamento… depois de várias tentativas de deixar o “banheiro mais aprazílvel” descobrimos que ele não queria mais utilizar nem caixa, nem areia… o gatinho gostava mesmo era de urinar em folhas de jornal estedidas no chão!

Listo aqui alguns pontos que devem ser checados todas as vezes que tivermos problemas com urina fora do lugar. Acho muito importante trabalhar com a prevenção, então segue também como conselho averiguar se esses itens estão conforme nos lares onde não existe o problema (ainda!).

  • Qual caixa devo comprar?
    • Existem caixas dos mais variados modelos e preços. As caixas sanitárias que mais oferecem conforto para os gatos são aquelas que não têm cobertura, tampouco dispositivos de auto-limpeza. Caixas no estilo de bandejas (aquelas mais simples mesmo) são as que mais agradam os gatos. Elas devem ser grandes… o gato tem que ter espaço para se locomover dentro delas (já viram que gatos que urinam em pátios abertos costumam rodar em volta de sua urina antes de cobrí-la? A caixa deve ser grande o suficiente para ele fazer isso!). Deve-se medir o gato da ponta da narina até a base de sua cauda… a caixa deve ter uma vez e meio essa medida. Ou seja, se o gato tem 40cm de comprimento, a caixa precisa ter pelo menor 60cm. A altura das bordas também é um ítem importante, pricipalmente quando falamos sobre gatos mais velhos. Sabe-se que cerca de 70% dos gatos acima de 10 anos de idade têm algum grau de artrose, o que leva a dor crônica articular. Bordas altas (por vezes 5cm é alto para o animal!) pode ser difícil de ser ultrapassadas por causar dor articular. Assim, leve seu gato ao médico veterinário e conheça profundamente seu estado de saúde para melhor promover conforto e bem-estar.
  • Qual areia devo usar?
    • Areia fina e sem perfume são as ideais, pois é a preferência da maioria dos gatos. Areia com pedras grandes podem incomodar ao toque. Os perfumes que são sutís para nós humanos são muito fortes para os gatos (e na anatureza a urina não fica “cheirosa” depois de depositada na grama… esse odor pode causar estranheza ao gato).
  • Onde devo colocar essa caixa de areia?
    • A localização é de extrema importância. Gatos precisam de locais privativos para urinar e defecar. Na natureza, gatos escolhem locais de pouca movimentação para realizarem suas necessidades fisiológicas. A caixa de areia deve ficar distante de onde haja passagem constante de pessoas ou animais, longe do alimento, da água dos locais de descanso e de brincadeiras. Áreas de serviço costumam ser um problema pelo barulho da máquina de lavar roupas, respingos de água vindo do tanque, grande movimentação em dias de faxina, vassouras que caem ao chão nos dias de vento… Ou seja, na maioria das vezes não é um local privativo e tranquilo.
  • Como deveo limpar essa caixa de areia?
    • As caixas deve ser mantidas limpas. Idealmente deveria ser imediatamente limpa (retirando torrão de urina e fezes) assim que o gato deixasse o ambiente onde ela se localiza. Observe que a limpeza não é assim que o gato termina de defecar/urinar, mas quando ele sai da caixa e do ambiente, pois a nossa pressa pode inibir o gato em suas necessidades! Quem nunca esteve em um banheiro público e alguém bateu à porta ou mexeu na maçaneta… é realmente uma sensação desagradável. Entretanto, boa parte das pessoas trabalham o dia todo e não é possível fazer essa limpeza constante, então aconselha-se que seja feita a limpeza no mínimo 2 vezes ao dia. Sempre que os torrões de areia e as fezes forem retirados, é importante completar com areia nova. Se o gatinho tiver alguma doença que faça com que urine mais que o normal (como diabetes ou doença renal crônica), considere adquirir mais caixas e colocá-las em outros ambientes (porque o ambiente sujo poder estar com odor desagradável para o gato). Ao menos uma vez na semana é importante esvaziar a caixa completamente, jogando toda a areia suja no lixo, lavando a caixa, secando e colocando areia totalemnte nova.
  • Quantas caixas devo ter em minha casa?
    • É inicado ter pelo menos 1 caixa sanitária para cada gato da casa e mais uma sobressalente. Os gatos podem utilizar as caixas uns dos outros, mas se houver uma para cada animal os problemas com urina e estresse no momento de usar o banheiro reduzem consideravelmente! Acreditem, casa com vários gatos é um problema, pois muitas vezes um gato deita-se na porta de entrada do cômodo onde as caixas estão e os outros gatos não entram! Então, além de ter uma caixa para cada gato + 1, essas caixas devem estar em divesos amientes separados. Dizemos que 3 caixas de areia, uma ao lado da outra, é considerada apena 1 caixa. Sim, sei que esse é um enorme problem nas casas com 3 ou mais gatos, principalmente quando o lar não é tão espaçoso assim… Aliás, pensem também nisso antes de optar por ter mais de um gato: a cada dia, mais e mais trabalhos científicos mostram que gatos que moram em casa com diversos gatos têm mais problemas comportamentais do que os que vivem sozinhos ou em casas espaçosas e com poucos animais…
  • Como devo limpar os locais onde o gato está urinando incorretamente
    • Muito importante é a correta limpeza do local incorreto que o gato elegeu como banheiro. Isso porque o gato percebe o cheiro de urina no local e isso pode ser um potente sinalizador que aquele local é apropriado para urinar. Então, após retirar toda a urina do local, deixe secar e utilize um produto comercial próprio para retirar odor de urina, que deve ser a base de enzimas. Essas enzimas reagem com o composto que confere cheiro na urina e muda sua composição química, realmente retirando o odor de urina do ambiente. Produtos com cheiro forte, principalmente a base de amônia, são contraindicados por somente mascarar o odor e manter o cheiro de urina para os gatos. Algumas vezes pode facilitar se o local de preferência para urinar for retirado, por exemplo, retirar um tapete que ele gosta de urinar e colocar no lugar um tapete higiênico, por exemplo. A susbstuição por outro banheiro semelhante e aceitável é muito importante para minimizar o estresse.

Urinar também é uma forma de comunicação. Assim, pode ser um comportamento normal ou relacionado à ansiedade.

Ao contrário dos locais reservados para realizarem suas necessidades fisológicas (urina e fezes), quando os gatos querem marcar algo com urina, esse lugar onde ele deposita a urina deve ter algum significado social. Gatos são animais terrotorialistas, eles defendem seus territórios e sabem quem são os membros da sua colônia. É normal um gato urinar em uma porta ou janela, por exemplo, por onde passa diariamente algum indivíduo indesejado (ele o enxerga como uma ameaça, então urina para deixar seu cheiro e mostrar que aquele lugar pertence à ele). Quando as relações sociais estão instáveis dentro da colônia (sim, você faz parte dessa colônia) a marcação por urina também pode surgir exatamente sobre objetos utilizados pelo membro como qual a relação deve ser resolvida. Não é uma forma de “birra” ou de “desaforo”… os gatos não têm esse tipo de sentimento. É uma forma de “conversa”, ou seja, punir o gato por ter urinado fora do lugar é o mesmo que punir alguém que voce ama por tentar conversar sobre a relação ou outro problema qualquer. Saber que o gato não urina para “desafiar” o tutor já torna o manejo bem mais fácil. Vimos que o gato pode estar marcando de uma forma natural, simplemente porque aquele indivíduo é mais territorialista devido a sua personalidade ou por questões hormonais (machos não castrados são mais propensos a marcar), bem como pode estar em uma situação de instabilidade emocional, gerando ansiedade no animal e afetando a sua saúde. Logo, marcação pode ser sexual, social ou territorial… e pode ser um comportamento natural de uma gato saudável, bem como um distúrbio de comportamento em decorrência de estresse e ansiedade. Seguem algumas dicas para conduzir o diagnóstico de marcação por urina.

  • Gatos machos ou fêmeas, castrados ou não castrados, podem marcar com urina. Os machos não castrados marcam mais por questões sexuais, sociais e territoriais.
  • Urinar em pé, esguixando jatos para tras é diagnóstico de marcação. À partir daí deverá ser estabelecido se é uma manifestação natural do comportamento que incomoda o proprietário, ou se é um distúrbio decorrente de estresse/ansiedade.
  • Urinar agaixado em pequans porções, em locais com significado social também pode ser marcação. Entretanto, para chegar nesse diagnístico requer um pouco mais de investigação, já que é a mesma posição da deposição de urina fisiologica. Observe os locais onde deposita a urina (tem significado social?), o que aconteceu antes (o motivo que pode ter levado a fezer isso.
  • A limpeza do lugar onde o gato está marcado é muito importante. Limpe confrme descrito para problemas com a caixa sanitária/predileção por um novo local. Em seguida, com o local limpo, sem odor de urina e seco, utilize spray de feromônio sintético (fração F3 do feromônio facial) no local onde o gato marca. A fração F3 desse feromônio leva a sensação de que o lugar é do proprio gato, que lhe é familiar, reduzindo a necessidade de marcação.
  • Fundamental é tentar decifrar o que está causando a necessidade de o gato marcar com urina. Seria por questões hormonais de um gato não castrado? Conflitos sociais dentro da propria casa ou em decorrência de outros animais que estão visitando as redondezas? Seria por uma questão de território? Seria por ansiedade ou estresse? Sem investigar e trabalhar a causa, o comportamento do gato irá permanecer.

A ansiedade e o estresse são fatores fundamentais a serem investigados em todos os casos de urina fora do lugar, pois são causas médica que merecem um tratamento criterioso, pois compromete toda a saude e o bem-estar do animal. Gatos sob estresse crônico desenvolvem uma séria de enfermidades, tais como cistite idiopática, crises de asma, crises epilélticas, agravam doenças cardíacas e as doenças dermatológicas. A ansiedade é multifatorial, depende da genética do animal, de sua história de vida (em especial na primeira infância) bem como de como é seu ambiente hoje. O manejo adequado do ambiente pode ser realizado por todos os tutores, sempre auxiliando positivamente no manejo desse problema. A Sociedade Internacional de Medicina Felina e a Associação Americana de Médicos de Felinos publicaram diretrizes que nos ajudam a proporcionar essa necessidades ambientais, pautadas em 5 ítens fundamentais:

  1. Lugar seguro. Todo gato precisa de um lugar seguro para se sentir protegido e descansar. O local deve ser tipo uma “toca”, com abertura em  2 lados (para que ele saia por um lado, caso outro gato coloque-se do outro lado). Caixas de papelão são exceletes “tocas”! A maioria dos gatos preferem que a “toca” seja pequena, de forma que somente ele caiba dentro. É muito desejado que essa “toca” fique no alto (sobre um armário, por exemplo). Deve haver 1 “toca” para cada gato da casa, colocadas em lugares distintos (quando se “entocam’, querem ficar sozinhos!). Respeite esse momento e esse espaço, evitando ao máximo mexer nos gato quando ele estiver alí.
  2. Áreas distintas com vasilhas de alimentos e água, banheiros, áreas de lazer, e lugares seguros. Diponibilizar esses recuros em áreas distintas da casa (como se fossem várias casas dentro de uma só!) permite que um gato tenha acesso à tudo que é necessário para sua vida sem que tenha que transitar por toda a casa… assim ele evitará uma situação de conflito com outro gato com o qual brigou, ou com uma pessoa estranha que esteja de visita…
  3. Oportunidade para brincar. Gatos brincam de caçar! Estimule ao máximo esse comportamento… Utilizar brinquedos que imitam presas, como um rato de pelúcia grande que é puxado por uma corda; ou uma varinha que tem penas nas pontas lançadas no ar. Não utilize partes de seu corpo para estimular gatinhos jovens a caçar… els irão crescer e a brincadeira se tornará agressividade! Outra forma muito aconselhada de estimular o gato é utilizar os próprios grãos da ração para ele “caçar”… ao inves de colocar a refeição em um pratinho, vá jogando os grãos para que ele capture… coloque os grãos dentro de um pote com a boca estreita para que ele “pesque”…  ou dentro de bolinhas que dispensam os grãos enquanto rola… Usem a imaginação e divirtam-se!
  4. Interação social humana-gato positiva, consistente e previsível. As preferências individuais dos gatos determinam o quanto eles gostam de interações humanas, como acariciar, brincar ou conversar. É importante lembrar que cada gato interage de forma diferente e devemos respeitar as preferências individuais. Lembre-se de solicitar as vistas e a todos os membros da família para não forçar a interação e, em vez disso, deixe o gato iniciar, escolher e controlar o tipo de contato humano.
  5. Respeite a importância do olfato do gato. Os cheiros são extremante importantes para os gatos, eles reconhecem ambientes, pessoas, animais e alimentos pelo cheiro. Alguns cheiros podem ser ameaçadores, como o cheiro de animais desconhecidos ou de produtos perfumados, produtos de limpeza ou detergentes. Respeite o senso olfatório dos gatinhos.

Por fim, devemos descartar a possibilidade de outros problemas de saúde que possam levar a esse comportamento, tais como doença renal crônica, diabetes, infecções urinárias, cálculos urinários, entre outros. Sendo assim, indico fortemente que se o manejo da caixa e da areia estiverem corretos, conforme descrevemos acima, e se seu gato continua urinando fora do lugar, que você busque auxilio de um Médico Veterinário.

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